“Quando deram a liberdade aos negros, nosso abandono continuou. O povo vagou de terra em terra pedindo abrigo, passando fome, se sujeitando a trabalhar por nada. Se sujeitando a trabalhar por morada. A mesma escravidão de antes fantasiada de liberdade. Mas que liberdade (ponto de interrogação) “. Torto Arado, que já pode ser considerado um clássico, fala de um universo particular. Narrado por três protagonistas feminina, traz A Chapada, o Sertão, a magia do Jarê, a crença, o racismo estrutural, a escravidão contemporânea, o sistema patriarcal de violência contra as mulheres, as trocas que temos constantemente com aqueles e aquilo que nos funda. Uma obra densa e reflexiva, que mapeia as nuances de um país que se contrapõe a modernidade e arcaísmo, e que não superou ainda seu passado colonial. Texto: Poliana Cunha
EPISÓDIO 12Será possível manter nossa humanidade diante do imponderável?
Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José de Sousa Saramago, ganhador do Prêmio Camões - o mais importante prêmio literário da língua portuguesa -, conta a história de diversos personagens acometidos por uma cegueira branca “muito luminosa que devora não só as cores, mas as próprias coisas e os seres tornando as coisas duplamente invisíveis”.
Na verdade, a obra nada tem de ensaio, apresentando uma narrativa densa sobre todos e cada um dos personagens - que não tem nomes “porque nesse estado de coisas o [próprio] nome é inútil”.
Ganhador do Nobel de literatura e criador da Fundação José Saramago para a defesa e difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos problemas do meio ambiente, nessa intrigante obra o autor nos inspira a pensar sobre dilemas morais, papéis sociais, dor, redenção e esperança, provocando as mais diversas emoções e sensações no leitor. Texto da Luciana e da Liliane
Obra-prima de Ariano Vilar Suassuna, de 1955, é uma peça teatral em forma de auto, onde retrata um drama nordestino em que o autor primou pela crítica social, em forma de comédia, apontando como temas principais a corrupção dos poderes, embasado no coronelismo, a desigualdade social, a seca, a pobreza e a astúcia do miserável para sobreviver, o apego às formas processuais no Direito, a ausência de voz do acusado nos julgamentos, o sistema penal punitivo e o restaurativo. Ariano começa a obra com a grande reflexão em que o Palhaço anuncia a peça afirmando: "A intervenção de Nossa Senhora no momento propício, para triunfo da misericórdia. Auto da Compadecida!". E João Grilo constata que "ele diz 'à misericórdia', porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada". Assim, a obra de Suassuna é um convite à reflexão sobre temas caros à humanidade e, no Julgamento Final, clímax da peça, o desfecho sutil sobre misericórdia e justiça. Texto: Stela Maris Perez Rodrigues e Thaís Carramaschi
EPISÓDIO 10Livro mais lido, traduzido e, para muitos, a obra-prima do escritor franco-argelino Albert Camus, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1957. Nesta obra Camus conta a história de Mersault, espécie de anti-herói moderno, homem comum, destituído de abstração e expectativas, que comete um crime banal e é, de certo modo, condenado por sua indiferença. À espera da guilhotina, resigna-se: “Se me obrigassem a viver dentro de um tronco seco, sem outra ocupação além de olhar a flor do céu acima da minha cabeça”, pensa, “eu teria me habituado aos poucos.” O autor definiu-o como “homem que se recusa a se autojustificar. Condenado por sua indiferença.” Texto por Patricia Carbonieri
EPISÓDIO 09Livro de estreia da escritora Toni Morrison, primeira mulher negra a receber o Nobel de Literatura (1993), o livro conta a história de Pecola Breedolve, criança estuprada pelo próprio pai, que sonhava em ter olhos azuis, pois assim acreditava que seria amada por todos. Uma história que aborda de forma incisiva temas como racismo estrutural, discriminação direta e indireta, padrões de beleza forçados, indivíduos marginalizados, violências reproduzidas e desamparo. Nas palavras da autora, “não há realmente mais nada a dizer – a não ser por quê. Mas como é difícil lidar com o porquê, é preciso buscar refúgio no como”. E este é o eixo central do livro, mostrar como essa criança de 11 anos chegou a esta situação de extrema violência e desamparo. O livro é convite a reflexão sobre padrões de violência que se não forem ressignificados certamente serão reproduzidos. Texto por Heloísa da Silva Krol Milak
EPISÓDIO 08Quando o conflito se instala, muitas vezes o discernimento se esvai e com ele a escalada do embate ganha proporções que fogem de qualquer controle. Para muitos, isso é a busca da Justiça. Para outros, um conflito em espiral que merece ser tratado sob o olhar da justiça restaurativa e das técnicas de mediação. E é sobre esse enfoque que Adriana Simette e Eldom Santos conversaram com Laryssa Copack Muniz sobre o livro Michael Kohlhaas, de autoria do alemão Hewnrich Von Kleist. Uma novela, ambientada no Sec. XVI e escrita no início do sec. XIX, onde podemos observar as duas faces de um mesmo homem - Michael Kohlhaas, um criador de cavalos que entra em choque com figuras feudais em um verdeiro embate entre nobreza e burguesia. E a pergunta que lançamos: a busca por justiça pode gerar injustiças? Texto por Adriana Simette
EPISÓDIO 07Fascinava-nos, apenas. Deixamos para compreendê-la mais tarde. Mais tarde, um dia… saberemos amar Clarice. “Visão de Clarice” – Carlos Drummond de Andrade. Clarice Lispector e sua obra, como ela mesma afirmou na famosa entrevista para a TV Cultura, foram por muitos incompreendidas. Segundo críticos literários sua obra possui uma representatividade narrativa e existencial muito importante. Em muitos de seus livros Clarice explora o fluxo de consciência, além de epifanias e metáforas. Em "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres", a profunda e misteriosa autora conta a história de amor entre Loreley, uma professora primária, que na década de 1960 sai do interior do Rio de Janeiro para morar sozinha em um apartamento à beira mar na capital carioca, e Ulisses, um homem mais velho, professor de filosofia. A obra trata da travessia para o prazer genuíno e também da busca por controlar aquilo que se sente. Lori está “aprendendo a viver”, a se relacionar. A importância da metamorfose individual, da mudança de dentro para fora, e dos desafios para alcança-la, são também pontos altos desse exemplar da literatura de Clarice. Coragem, confiança, humildade, responsabilidade e amor são temas presentes que nos provocam a refletir sobre a maturidade necessária nas relações humanas. Nesse ponto, a obra de Clarice tangência a Justiça Restaurativa, nos proporcionando uma enriquecida discussão que liga direito e literatura. Texto: Priscila Crocetti
EPISÓDIO 06"Existe vida após a morte?". É possível que essa indagação já tenha sido feita por todas as almas viventes e não viventes deste Universo. A partir da leitura de "Incidente em Antares" (1970), de Érico Veríssimo, Laryssa Angélica Copack Muniz, Stela Maris Perez Rodrigues e Leonardo Marcelo Mounic Lago se propõem, porém, a outro integrante questionamento: "Existe justiça entre os vivos?", ou teremos que esperar o espargir de nosso último suspiro, a fim de alcançar esse valor essencial da humanidade? Convidamos os ouvintes para estas e outras investigações neste episódio de Justiça Restaurativa e Literatura: Incidente em Antares. Texto: Leonardo Lago.
EPISÓDIO 05To Kill a Mockingbird (O Sol é para Todos), por Harper Lee, 1960
O livro recebeu o prêmio Pulitzer em 1961 e se tornou um best-seller, com mais de trinta milhões de livros vendidos. Visto como verdadeiro manual de direitos civis, passou a ser leitura obrigatória nas escolas estadunidenses.
Jean-Louise Finch, mais conhecida como Scout, é a narradora, com 6 anos de idade quando a história começa e 9 quando ela termina. O livro se passa por volta de 1930 e relata acontecimentos da pequena cidade fictícia de Maycomb, Alabama. A obra apresenta traços autobiográficos, pois Scout tem a mesma idade que a autora teria na época em que se passam os acontecimentos do livro, o pai de Harper Lee também atuava como advogado em Monroeville, uma pequena cidade do Alabama muito parecida com Maycomb. Um grande diferencial foi o fato de a narradora ser uma menina, que vai crescendo e amadurecendo ao longo do texto, a visão infantil traz uma mescla de inocência, coragem, teimosia e assertividade. Scout conta suas aventuras com o irmão Jem e seu amigo Dill, tais como as tentativas de visualizar Boo Radley, um vizinho que nunca sai de casa. A história central, vivida em um estado dividido por leis segregacionistas, é a prisão de Tom Robison, negro acusado falsamente de um crime horrendo. Sua defesa é feita pelo pai de Scout, Atticus Finch, advogado justo, preocupado em fazer o certo e agir com empatia, de acordo com seus valores e sua consciência, o grande herói do livro. A trama acompanha o desenrolar dessa prisão e o julgamento de Tom, no Tribunal, trazendo muitas lições que continuam sendo atuais. Tratando de maneira sutil sobre a infância, o preconceito racial, o bullying, as incoerências e hipocrisias humanas, “O Sol é para Todos” é um livro de leitura fluida e envolvente, com inúmeras reflexões importantes. Como nos ensina Atticus: “ Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela. ,,, Precisa se colocar no lugar dela e dar umas voltas.” Texto: Patrícia Lang e Patrícia Lima.
É um convite para refletirmos sobre as injustiças sociais que ainda persistem em nossa sociedade. A personagem principal do livro, a FOME, nos mostra de forma crua e realista as consequências da desigualdade social. A obra de Carolina Maria de Jesus é um retrato doloroso da vida nas periferias brasileiras, mas também é uma denúncia corajosa da realidade que muitos tentam esconder. Além disso, o livro traz reflexões importantes sobre os princípios da Justiça Restaurativa, nos convidando a pensar em formas mais humanas e justas de lidar com conflitos e violências. Não perca a oportunidade de mergulhar nessa obra tão importante e se unir a essa discussão tão necessária. Texto: Luciene Zanetti
EPISÓDIO 03Sem nenhuma delicadeza, a autora Ana Maria Gonçalves nos coloca frente a frente com a maldade humana nas primeiras páginas de seu romance histórico: em Savalu, reino de Daomé, África (hoje Benin), a menina Kehinde, aos 7 anos de idade, presencia o assassinato cruel de seu irmãozinho mais velho e o estupro de sua mãe por cinco guerreiros, que também a matam. Sozinha com sua irmã e guiada pela avó materna, caminham quilômetros de distância até o litoral, em busca de uma nova vida, onde acabam sendo escravizadas.
A autora nos faz “entrar” num navio negreiro, descer suas escadarias até o porão, deitar no chão sem espaço para se mexer, de tão lotado, e até sentir o fedor de fezes, urina e dos corpos putrefatos das pessoas que morriam durante a travessia para o Brasil.
Violências física, moral, psicológica e sexual são obstáculos vividos por Kehinde durante boa parte de sua vida, mas muitos superados por uma resiliência e “esperteza que só tem quem está cansado de apanhar” da vida, como cantam os Paralamas do Sucesso (“Selvagem”).
A felicidade vivida por Kehinde em muitos momentos, mesmo na pior adversidade, é uma aula de como se reinventar pela sobrevivência e em busca de dias melhores, que realmente chegam, embora o final feliz esperado não se concretize na forma desejada pelo(a) leitor(a).
Respeito às diferenças de cor, de sexo e de religião são alguns dos inúmeros temas brilhantemente contidos em “Um defeito de cor”, lançado em 2006 e que já é considerado um clássico da literatura brasileira." Texto: @claudiocsantos_